"Periquito Australiano", gritavam em côro e em tom jocoso os meus coleguinhas da pré-escola. Eu, orgulhoso que já era desde infanto, procurava manter naturalidade por fora enquanto por dentro aquilo me corroía, baixei a cabeça e olhei para a minha lancheirinha azul com estampa dos "smurfs"que também estavam sorrindo, parecendo também zombar de mim. Embora pequeno, já contava com o senso do que é correto e não poderia eu reclamar já que o apelido fora me dado pela professora, que estava cansada do meu jeito tão falante e de ter colocado apelido em cada um da sala.
Mal sabíamos que este apelido após mais de duas décadas viria a calhar. Anos após, esse apelido seria esquecido e foi trocado por muitos outros, dos melhores aos piores, alguns que tentavam tirar onda com a minha disfluência verbal, mas que nunca pegaram porque eu sempre consegui lidar bem com isso, e sempre fazia piadinhas do gênero (ainda faço), e uso como ferramenta de integração e de humor. Após a sucessão de apelidos, chegou-se ao "Picles", um "shortname"do meu nome, que na Austrália virou "Pico", que também significa "Picles".
Voltando às memórias da minha pré-escola, não mais ví a maioria das pessoas que estudaram comigo. Relembro-me de uma garota chamada Mirian, que a essa altura da vida já deve ser mãe de filhos já em idade escolar, como eramos. Outros que as vezes encontro na cidade dos meus pais quando lá vou. Alguns prosseguiram os estudos e tiveram sucesso, outros, continuam na mesma vidinha e no mesmo lugar, empacotando compras e vivendo das reles oportunidades que a pequena cidade de Taquaritinga lhes dá.
Enfim, cheguei à Austrália. Algo que para mim era um sonho, mas que demorou para cair a ficha. Amanhã completo 3 meses que pisei pela primeira vez em solo australiano. O relógio local marcava 1.00am do dia 06/10/2008, com olheiras provenientes da viagem e da estadia de Dubai, a confusão do meu corpo com o fuso horário e a excitação por estar em uma nova terra e começar uma nova vida me tomaram.
Desde que cá cheguei, tenho sido um dos únicos aqui da escola que até então passou em todas as provas para subir de nível. Em 3 meses já estou no nível intermediário (que diga-se de passagem, é superior ao nível upper-advanced do Brasil). Continuo o aluno que era na pré-escola, agitador de classe. Isso se deve ao meu foco (estudar, estudar, trablhar, trablahar). Sinto-me sozinho em uma cidade de 2 milhões de habitantes.
Muito embora reconheça que era um tanto desligado da família no Brasil, eu podia visitá-los quando quisesse, agora, fico feliz por um telefonema. Ontem eu estava em uma onda de solidão, coisa que jamais achei que sentiria, pois sempre morei fora e me considerei um homem "forte" quanto a sentimentos; o meu pai estava fora de casa, minha mãe estava em seu trabalho voluntário (sim, ela costura para os pobres), falei apenas com o meu irmão, e isso me deu uma falsa sensação de que estou aqui abandonado.
A vida Australiana é uma oscilaçào de sentimentos. Divido a minha vida em: Profissional, pessoal, familiar e sentimental. Recentemente perdi 25% dos motivos pelos quais voltaria para o Brasil, pois alguns planos que eu mantinha para a minha volta ruiram. Dos de motivos que eu tinha pra voltar para o Brasil, sobraram poucos e estão contra-balanceandos com os que eu tenho pra cá ficar (que são muitos), a saudade da minha família é o que mais conta (coisa que muitas vezes deixamos de dar valor quando estamos perto). Entendi então o sentido da palavra "homesick" e "friendsick", muito utilizada por aqui. A época de final de ano e festas é a mais dolorosa para quem está longe de tudo e de todos.
Passar o final de ano com japoneses, suiços e poloneses foi muito bacana, o povo da Austrália também é bastante acolhedor e me trata muito bem. Não é raro o dia em que estou trabalando e as pessoas vem conversar comigo, perguntar como estou, alegrando meu dia com um sorriso.
Mesmo assim, sei que em pouco tempo, todos os "folks" estarão de volta aos seus países, e a Austrália ficará apenas na lembrança de cada um, pessoas sonhadoras que deram a volta ao mundo em busca do seu melhor. É bom, é lindo, mas é "vazio". Passei até sentir falta da comunidade religiosa a qual pertenço, coisa que confesso que era relapso.
Os cangurus, as lindas praias, tudo isso enche meus olhos, mas ainda é pouco pra preencher o vazio que ganhei no coração.
Tenho certeza de que quando pisar no Brasil, vou me chocar com a realidade, pois me acostumei com a organização da Austrália. Talvez eu queira voltar, mas por hora tenho saudades e orgulho dos meus pais, de como conseguiram sobreviver e criar filhos em uma terra tão hostil, sem-vergonha e sem-lei como o Brasil. Por terem conseguido me educar, me ensinar princípios de honestidade e conduta que me fazem passar em qualquer lugar do mundo como um cidadão de bem.
Ser brasileiro é como ser esposo apaixonado traído. A gente sabe que é traído, mas morre de saudades e de amores, e um dia acaba voltando.